
Promover o fortalecimento da agroecologia e da agricultura familiar, camponesa e indígena, como estratégia de garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional faz parte das proposições da Plataforma Política da Marcha das Margaridas 2019. E, nessa perspectiva, é importante destacar o quanto as mulheres são protagonistas na produção da “comida de verdade” e o quanto a agroecologia e a agricultura familiar estão ameaçadas por políticas impostas pelo agronegócio. As mulheres do campo, da floresta e das águas lutam diariamente para romper com a lógica do modelo de desenvolvimento capitalista e patriarcal, gerador de pobreza e desigualdades, por isso “Soberania Alimentar e Agroecologia” também foram temas das oficinas promovidas para as margaridas.
A partir da instalação artístico pedagógica, as participantes da oficina também foram convidadas a inserir novos elementos que representassem o seu território, a sua comunidade. “Elas trouxeram muito, cada uma de um lugar, mulheres de várias regiões, falando da sua prática agroecológica e da sua luta para produzir alimentos saudáveis, mas ao mesmo tempo falando sobre todo o cenário difícil que se enfrenta: o desmonte de políticas públicas para a agricultura familiar, o aumento sem precedentes da liberação de agrotóxicos e como tudo isso impacta no território delas. Muitas fizeram relatos, inclusive de conflitos, sobre o que significa desenvolver um trabalho na agroecologia e o quanto isso contribui para a vida delas”, explica Vanessa Schottz.
Durante o debate foi destacado como o trabalho das mulheres (produtivo e reprodutivo) é invisibilizado, ao mesmo tempo em que elas vivenciam uma grande sobrecarga. Nesse ponto também se falou sobre a caderneta agroecológica, um instrumento político pedagógico que busca mensurar e dar visibilidade a produção das mulheres rurais, reconhecendo a importância do seu trabalho e fortalecendo a sua autonomia. "A gente tem que parar de pensar na agricultura só como uma forma de ganhar dinheiro. 'Sem Feminismo não há Agroecologia' não foi dito por Margarida Alves, mas eu tenho certeza que ela diria se estivesse aqui. Porque essa frase reforça o quanto é fundamental o trabalho das mulheres para a produção agroecológica. Em todos esses anos trabalhando com a agroecologia, nós percebemos que a decisão de plantar sem veneno é das mulheres porque são elas que cuidam da alimentação da família, porque não querem dar veneno pros seus filhos, porque se importam muito mais com o veneno que está sendo colocado na comida", disse Beth.
Uma agricultora do sertão do Ceará relatou que, por conta própria, já anotava a sua produção: “Eu ainda não uso a caderneta, mas eu anoto tudo e agora eu sei que no meu quintal eu produzo mais do que o meu marido. Infelizmente isso foi motivo de ciúmes da parte dele, mas foi motivo de muita alegria pra mim saber que nós também trabalhamos, que nós também conseguimos alimentar a família, que nós também podemos defender o nosso direito no campo como agricultoras”. Após a sua fala, Beth lhe entregou uma caderneta agroecológica - além de anotar o que vende e consome, ela agora também vai poder anotar tudo o que troca e doa para a sua comunidade. Uma das jovens presentes se emocionou com os relatos: "Não dá mais pra aceitar essa agricultura que mata, nós precisamos da agroecologia. Eu quero agradecer a todas essas pessoas que plantam comida de qualidade pra alimentar a gente”, disse.
“O debate foi muito rico porque elas puderam visualizar os alimentos que estavam ali representando os quintais, toda a diversidade, e entender o quanto a agroecologia propicia o acesso a alimentos saudáveis, além de construir essa relação oposta com os alimentos ultraprocessados”, avalia Vanessa. Nesse sentido, a instalação também teve um espaço com exposição de alimentos que o Guia Alimentar para a População Brasileira caracteriza como “formulações industriais”. Ou seja, alimentos de caixinha, industrializados, ultraprocessados, com excesso de açúcar, sal, conservantes e outros aditivos químicos. Alimentos que o próprio Guia aponta que são prejudiciais, sendo o seu consumo associado à obesidade e uma série de problemas de saúde. A partir dessa exposição foi sugerida uma dinâmica em que as pessoas deveriam jogar esses alimentos no lixo e explicar o porquê: “Eu vou jogar essa caixinha de suco de acerola fora porque na minha casa eu planto acerola, faço o suco e também vendo a polpa”, disse uma agricultora. “Eu vou jogar fora essa milharina porque passou da hora da gente dizer não pra esses milhos transgênicos e sim pras sementes crioulas”, afirmou outra.
Outra questão importante debatida na oficina foi a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (pelo atual governo que não nos representa) e a preparação e convocação para a VI Conferência Popular de Segurança Alimentar e Nutricional – uma conferência popular e autônoma para levantar o debate tão fundamental sobre a alimentação. Esta é uma iniciativa das organizações da sociedade civil, dos movimentos sociais e também da Marcha das Margaridas.
"‘Eu prefiro morrer na luta do que morrer de fome’ é uma frase muito importante da Margarida Alves principalmente agora que nós voltamos a enfrentar a luta contra a fome no Brasil. Essa frase chama a nós Margaridas pra lutar pra que todos tenham o direito de se alimentar. É possível sim produzir sem veneno, é possível sim se alimentar sem veneno", concluiu Vanessa.