Programa Educação e Agroecologia promove Seminário de Igualdade Racial

Integrando a celebração dos 30 anos do CTA, o programa Educação e Agroecologia (que engloba os projetos Curupira e Conviver) promoveu no sábado (21) um seminário sobre Igualdade Racial com professores, crianças e jovens que participam dos projetos. O evento só foi possível graças às pessoas que doaram 6% do seu Imposto de Renda como investimento social ao CTA.

O tema da Igualdade Racial foi pautado neste seminário, mas na verdade deveria ser debatido todos os dias, em todos os espaços, já que essa é uma das formas de se enfrentar as diversas faces do racismo que existem na sociedade brasileira. Como afirma Rute Santos, técnica do Curupira, é preciso entender o universo do povo negro e quais são os desafios e violências que vivencia diariamente. “Muitas vezes não é só uma violência física, é uma violência na forma de se referenciar ao negro, nas piadas, nas falsas brincadeiras. Eu acho muito importante a gente se atentar a essas questões que não são faladas, que a mídia não mostra e que os livros didáticos também não mostram”.

Para enriquecer o debate, duas convidadas vieram do Rio de Janeiro: Verônica Bonfim (cantora, atriz, escritora, poetisa, arte-educadora e militante negra) e Carolina Rocha (escritora, militante negra e feminista, e pesquisadora dos temas religiosidade afro-brasileira, racismo e intolerância religiosa). Durante o evento, Rute (em parceria com Adeline, também do projeto Curupira) realizou atividades sobre cultura e identidade negra com as crianças. Divididas em duplas, as crianças e jovens tiveram que desenhar umas às outras, se conhecendo e se reconhecendo nas igualdades e diferenças. Em seguida, foi proposta a produção das bonecas pretas Abayomi. A história conta que as mães africanas traficadas nos navios negreiros, tentando confortar os seus filhos, rasgavam pedaços das suas saias para criar as bonecas que eram feitas apenas com nós no tecido. A palavra Abayomi, de origem Iorubá, significa “encontro precioso”.

 

Oficina brincante

Encontro precioso foi a volta de Verônica Bonfim, mesmo que apenas por um dia, a um lugar que já pertenceu. Verônica integrou a equipe técnica do CTA durante 4 anos e até hoje é admirada por todos. “Para mim é uma emoção grande estar aqui de novo, foi uma das melhores fases da minha vida, foi onde eu aprendi. Aprendi mais estando com o CTA, com os agricultores e todo esse universo da agroecologia do que nos meus cinco anos de faculdade. E estar aqui comemorando os 30 anos do CTA, nesse processo de uma construção (que é nova para a organização) sobre a questão racial, é muito lindo”. Verônica lançou, no final do ano passado, o livro “A menina Akili e seu tambor falante”, e desde então tem sido procurada por educadores que querem trabalhar com o tema.

Existe uma lei no Brasil (Lei 10.639) que institui a obrigatoriedade do ensino da África e da nossa identidade afro-brasileira nas escolas, entretanto há uma falta de livros didáticos sobre o assunto. A grande demanda dos educadores e a sua militância negra inspiraram Verônica a criar uma oficina brincante sobre as nossas raízes africanas. O conto de Akili traz a história de uma menina apaixonada pelo seu tambor – um instrumento sagrado, que geralmente é negado às mulheres por ser considerado masculino.

“O que é legal nessa história é que não é um menino, é uma menina, então tem uma questão de gênero, como também existe uma série de questões envolvendo o negro, que vem da África; e os tambores, que muitas vezes são demonizados no Brasil junto com as religiões de matriz africana. O livro não tem cunho político e religioso, mas trabalha identidade, territorialidade, pertencimento, circularidade, oralidade, musicalidade, ou seja, dá pra trabalhar milhões de coisas no campo formal e não formal e, por isso, a minha ideia de percorrer os lugares com essas oficinas brincantes. Mais importante que contar a história, é contarmos juntos a nossa história aqui no momento em que a oficina acontece, a partir das nossas vivências”, explicou Verônica.

 

Debate com professores


Além das atividades com as crianças, o seminário também promoveu um debate, junto com os professores, sobre racismo e cultura afro-brasileira. Quem facilitou o espaço foi Carolina Rocha, ressaltando que no geral o ambiente escolar é frio, cartesiano e baseado em uma cultura eurocêntrica e, portanto, é preciso abordar outros conteúdos e valores, além de utilizar outras pedagogias. “Como a gente lida com crianças pobres e negras, é muito importante ter a presença do afeto, respeitar a musicalidade dessas crianças, a história de vida delas e das famílias porque elas não são uma página em branco e o conhecimento não é só o oficial do ambiente escolar. Esse conhecimento vem de muitos campos, vem dos mais velhos, da história oral. O professor, na verdade, deve ser muito mais um facilitador, um mediador na aula do que uma pessoa iluminada que vai trazer para as crianças tudo o que elas precisam saber sobre o mundo. É preciso ter uma mudança de postura”.

Na avaliação de Carolina, entre os participantes do debate havia muitos professores que já estão “fazendo individualmente um trabalho de formiguinha” contra o racismo e as opressões e que estão realmente preocupados com a formação das crianças e a autoestima e bem estar delas. “Os professores também fizeram muitas queixas sobre não ter material adequado para falar sobre a cultura afro-brasileira e o racismo. Eu perguntei quem conhecia a Lei 10.639, e só 3 ou 4 professores (dos 30 que estavam aqui) conheciam. Isso é muito sério.”

Nos depoimentos dos professores houve muitos relatos sobre racismo. Professoras negras contaram que durante a infância eram chamadas de “diabo”. Além de serem demonizadas e oprimidas, apanhavam por serem negras, e eram obrigadas a alisar o cabelo. “Muitas sentiram um alívio por conseguir falar abertamente pela primeira vez sobre as questões que as incomodam. E é impressionante como elas conseguem se ver nesse papel na infância e quando chegam na escola como professoras fazem um esforço muito grande de acolher as crianças negras, justamente porque não foram acolhidas. A representatividade é muito importante”, destacou Carolina.

Além desses relatos, houve também desabafos em relação aos cursos de formação sobre cultura negra. Quando acontecem, o que é raro, o foco é na história de dor, sofrimento e passividade dos antepassados escravos negros, e não na história de luta, resistência e independência. Carolina acredita que os professores também tem interesse em “positivar” essa história. “Eu trabalhei com eles o conto da Geni Guimarães que fala justamente disso, que a criança quer se sentir parte de um povo que é também vencedor, de um povo que também resistiu e lutou, não quer só se ver parte de um povo que foi escravizado, que não resistiu a nada. E essa não é a nossa história. A nossa história é total de luta e resistência. Existem personagens históricos, inclusive mulheres negras, que foram invisibilizados ao longo da história mas que representam muito pra gente. Se as crianças conhecessem, com certeza teriam outra percepção sobre si mesmas, sobre a sua estética, sobre a sua luta, sobre a sua família”.

Infelizmente nem todos conseguiram aproveitar o debate ou se sentiram à vontade com o tema, o que reforça ainda mais que o racismo deve ser debatido em todos os espaços, principalmente no ambiente escolar. Carolina observou que duas pessoas brancas cochicharam o tempo todo e uma hora disseram: “Olha eles se vitimando mais uma vez!”. Para ela, o fato de se incomodarem com o debate já significa muito: “Se incomodou é porque a pessoa parou para pensar. E se parou para pensar, é isso mesmo que a gente quer: causar desconforto. Falar de racismo não é confortável. Falar de opressão não é confortável. E as pessoas tendem a acreditar que porque estamos falando de racismo, queremos dizer que não existe nenhuma outra forma de preconceito ou discriminação e por isso elas geralmente ficam medindo dores: ‘Ah, vocês estão falando de racismo, mas eu sou branco e também já sofri preconceito. Também já sofri discriminação’. Todos nós já sofremos preconceitos e discriminações por motivos diversos, mas na verdade o racismo não é só um preconceito. Racismo tem a ver com uma relação de poder. Tem a ver com um projeto de poder colonizador que quis tirar do homem preto a sua autoestima, sua economia, sua visão política. O racismo é estrutural. Ele é muito maior que as relações interpessoais. Está nas instituições como a escola, que é um dos ambientes mais racistas e intolerantes que existe no Brasil”.

 

Perspectivas

Ainda que duas pessoas tenham se incomodado e resistido, a imensa maioria voltou pra casa com outro sentimento. Como a secretária da Escola Municipal Nossa Senhora de Fátima (no Laranjal), Aparecida Fidência, que considerou o momento muito importante para poder se expressar. “Já é a segunda vez que eu venho aqui. Eu gosto muito do projeto do CTA nas escolas, dessa parceria, e aqui eles deixam a gente muito à vontade, todo mundo quis falar. Eu como mulher negra, que já sofri preconceito, achei muito válido falar da cultura negra porque muitas pessoas brancas não tem esse conhecimento e não sentiram na pele o que eu já sofri. É preciso falar mais nas escolas porque na realidade os negros estão ainda distantes, escondidos, não por timidez, mas pelo preconceito que sofrem por falta de oportunidade, porque não se sentem acolhidos. A gente tem que ter sensibilidade com as pessoas”.

Ao final do seminário, Carolina Rocha teve uma “grata surpresa” quando crianças e adolescentes do projeto Conviver, que vivem na comunidade quilombola Buieié, a procuraram. “Elas queriam falar comigo, tocar no meu cabelo, tocar em mim, tirar foto, dizer que eu era bonita, coisa que a gente fica até emocionada. Uma delas falou: ‘Tia, quando eu tiver uma filha, eu vou dar o seu nome’. Isso é muito bonito porque essas crianças não se veem, e é muito triste saber que existem professores que não estão abertos para dialogar. Quem sofre são as crianças sempre, principalmente as mais pobres e pretas”.

Para Rute Santos o evento “foi uma grande realização pessoal”: “Eu penso que esse foi só o primeiro. As crianças saíram bastante satisfeitas, os professores também, então eu acredito que para o ano que vem podemos pensar até em algo maior”, avaliou.

“A Rute está puxando uma coisa que é muito importante, é muito relevante, é extremamente urgente e necessária e eu estou muito feliz de estar aqui fazendo parte disso. Eu espero que esse seminário possa agregar ao CTA, e a todo o conjunto de parceiros, uma outra visão realmente, uma visão mais diversificada a respeito das questões sociais raciais e o que elas implicam”, concluiu Verônica Bonfim.

Autor: Wanessa Marinho

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