
A proposta do curso era compartilhar na prática o passo a passo de um plantio de água, desde o estudo do mapa da propriedade até o momento de colocar a mão na enxada para construir as estruturas: caixa seca, caixa cheia e terraceamento em curva de nível – técnicas utilizadas nesse tipo de plantio e fundamentais para a contenção de água, sua infiltração no solo e o reabastecimento do lençol freático.
Além de realizar as técnicas, os participantes também puderam refletir sobre o seu significado. Aprendendo pela primeira vez como “plantar água”, Lucenir (diretora da Escola Municipal de Santa Bárbara, no município de Miradouro) conta que há alguns anos desenvolve na escola um projeto de recuperação de nascentes que abrange toda a comunidade de Santa Bárbara e, mesmo já tendo essa experiência, o curso de Plantio de Água e Manejo de Bacias Hidrográficas foi um grande aprendizado.
“A gente tinha um tabu que se retesse água na nossa propriedade estaria prejudicando a do vizinho. Agora eu pude entender que fazendo essa retenção, automaticamente vou beneficiar o próximo. Por exemplo, eu moro na roça, a água da sobra da minha nascente está indo toda diretamente pro rio que passa próximo da minha casa. Se eu começar a reter essa água vai beneficiar os meus vizinhos mais próximos que tem problema de seca porque a água ao invés de ir embora, vai infiltrar no solo dali”, ressalta Lucenir.
Com as orientações de Felipe Senna, e em regime de mutirão, os participantes constroem a caixa seca
O terraceamento em curva de nível também foi uma das técnicas ensinadas
Programação
O curso ocorreu na Escola Nacional de Energia Popular (ENEP) e teve a facilitação de Felipe Senna (assessor técnico do CTA neste projeto da Fundação Banco do Brasil) e Tommy Wanick (professor da Licenciatura e Educação no Campo da Universidade Federal de Viçosa - LICENA-UFV) - integrantes da Rede Nós de Água. No primeiro dia da programação, os facilitadores explicaram conceitos como ciclo hidrológico, bacias hidrográficas, legislação ambiental, distribuição, escassez e as diversas situações que comprometem a qualidade da água. Eles também destacaram como a ação humana influencia na atual crise hídrica.
Em seguida, os participantes se dividiram em pequenos grupos para debater a realidade das suas comunidades e municípios e os problemas que vivenciam com a água. E após o compartilhamento e sistematização desses relatos, os facilitadores apresentaram o plantio de água como uma alternativa de enfrentamento do problema.
Mostrando o “mapa ideal” da ENEP e as possíveis intervenções que poderiam ser feitas na propriedade, eles convidaram os participantes a colocar a mão na massa: a prática envolveu a construção de três caixas cheias, uma caixa seca e sete terraços. O trabalho foi realizado em mutirão e todos se alternaram na construção das estruturas.
Para o agricultor José de Oliveira (mais conhecido como “Zé Gominho") o trabalho em mutirão facilita a troca e o aprendizado. “Eu não sabia que tinha que fazer essas caixas pra segurar a água e também achei muito importante o serviço do mutirão porque tá todo mundo reunido e alegre e isso traz mais força e união. Se o trabalho não fosse assim, ia ser feito com mais dificuldade”.
O segundo dia da programação foi dedicado à finalização da prática e à uma roda de conversa sobre a Rede Nós de Água, quando todos se comprometeram a integrar a Rede e a multiplicar as técnicas de plantio de água nas suas comunidades. Como encaminhamentos, os representantes das comunidades agora têm a responsabilidade de organizar reuniões em seus municípios para articulação da Rede Nós de Água (em escala municipal e regional), assim como compartilhar (via Whatsapp e Facebook) as informações e atividades realizadas. O grupo irá se reunir novamente no dia 16 de julho, durante a Troca de Saberes - evento de agroecologia que acontece na UFV.
Zé Gominho garante que ao voltar para a sua comunidade (Morro do Jacá, município de Paula Cândido) vai compartilhar tudo o que aprendeu e vivenciou durante esses dois dias. “Eu sou semi-analfabeto, mas quando você ouve a pessoa falar, você vai guardando aquela informação na cabeça. Então é uma coisa que eu vou poder levar lá pra minha terra, pra mostrar pros meus filhos (também pra não fazer coisa errada) e mostrar pra algumas pessoas que não entendem. Esse serviço aqui eu achei muito bom. É um serviço de perfeição e toda vez que tiver reunião, eu quero participar”.
O facilitador Felipe Senna esclarece que qualquer pessoa pode plantar água: “É importante participar de uma capacitação porque tem algumas técnicas e detalhes que a gente considera que é a chave do plantio de água, como a interpretação e a leitura do ambiente. Nas estruturas não tem muita novidade, o mais importante é saber onde posicionar e como dimensionar a caixa seca, a casa cheia e o terraço”.
O curso reuniu pessoas de diversas faixas etárias e escolaridade. A estudante da UFV, Jezebel Ribeiro, foi uma das participantes
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Você conhece a Rede Nós de Água?
Toda essa história tem início a partir de um processo de construção e sistematização de experiências agroecológicas emergentes na região de Araponga-MG no início dos anos 90, através de uma parceria entre o Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM), a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e agricultores familiares da região.
Destas experiências, surgiu a demanda por um melhor entendimento sobre a dinâmica dos recursos hídricos nestes sistemas agroflorestais, incitando a criação, em 2009, do Grupo de Trabalho das Águas (GT-Água). A partir de então, inúmeras ações de formação e pesquisa foram iniciadas e outras entidades, como o Instituto Socioambiental de Viçosa (ISAVIÇOSA), a Associação dos Plantadores de Água de Alegre – ES (Plantágua) e a Escola Nacional de Energia Popular (ENEP) de Viçosa-MG, foram se associando ao grupo.
Em 2014, através de uma articulação conjunta do GT-Água, do ISAVIÇOSA, do CTA e da Associação dos Plantadores de Água (Plantágua) - de Alegre-ES, foi realizado um curso de Plantio de Água em Viçosa-MG, onde surgiu a demanda da criação de uma entidade comum que reunisse todos os grupos envolvidos com a conservação de recursos hídricos na região. Assim nasce a Rede Nós de Água.
A rede hoje atua em diversos municípios da Zona da Mata mineira, utilizando técnicas e tecnologias sociais, para promover a conservação do solo e dos recursos hídricos; e metodologias colaborativas e participativas, que visam a autonomia e a construção coletiva do conhecimento agroecológico.
Caixa Seca (Fonte: Rede Nós de Água)
A caixa seca, segundo o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural é um reservatório instalado na margem de estradas rurais para captação das águas das chuvas. Esse reservatório funciona como uma pequena barragem, ou seja, captando a água da chuva e favorecendo sua lenta infiltração no solo.
Terraceamento (Fonte: Rede Nós de Água)
O terraceamento é uma prática mecânica de conservação do solo destinada ao controle da erosão hídrica, sendo uma das mais difundidas e utilizadas pelos agricultores. Cada terraço é formado pela combinação de um canal (valeta) e de um camalhão (monte de terra ou dique), construído a intervalos dimensionados em nível e no sentido transversal ao declive.
Mas, afinal, o que é esse tal de plantio de água? (Fonte: Rede Nós de Água)
Plantar água consiste na implantação de um conjunto de técnicas e tecnologias sociais em propriedades rurais, com o objetivo de conservar os recursos hídricos e aumentar a captação e infiltração de água da chuva nos solos e lençóis freáticos. As principais técnicas e tecnologias sociais para o "plantio de água" são: isolamento de Áreas de Preservação Permanente (APP's) de nascentes e cursos d'água, recuperação das matas ciliares com sistemas agroflorestais (SAF's), construção de caixas secas nas estradas e encostas, caixas cheias nos brejos, terraços em curva de nível nas encostas, lavouras e implantação de fossas sépticas.
Autor: Wanessa Marinho