Consciência negra e liberdade conquistada

A democracia racial no Brasil é um mito. Aqui persiste uma falsa ideia de que há preconceito de classe (contra pobres) e não de raça (contra negros). Dessa forma, o fato da maioria dos negros ocuparem os cargos mais baixos ou de serem a grande maioria no percentual de desempregados no país seria explicado pela condição de pobreza que eles herdaram dos seus ancestrais africanos escravizados.

Mas o que explica o fato de um negro dirigindo um carro de luxo ser rapidamente confundido com um motorista (prestador de serviço) ou com um ladrão? O que explica o fato dos negros serem os primeiros ou os únicos a sofrerem uma abordagem policial? O que explica o fato do percentual de negros assassinados no Brasil ser 132% maior que o de brancos? O que explica o fato de um negro ser barrado na porta do evento que ele mesmo está promovendo? Só o racismo explica.

Quantos negros você já viu em posição de poder em empresas ou instituições? Quantos negros são professores em escolas particulares? Quantos negros são protagonistas de filmes, séries ou novelas? Poucos, raros, quase nenhum. A negação da existência do racismo na sociedade brasileira dificulta o enfrentamento da situação. Se o racismo não existe, falar sobre ele é considerado “mimimi” ou pode até gerar argumentos do tipo: “Então se existe racismo contra negro também existe contra branco!”.

O que muitos não entendem ou não querem entender é que o negro já nasce em desvantagem. Porque o seu “problema” está no seu corpo, está na sua pele, está no seu cabelo, está aí para todos verem. O que muitos não entendem ou não querem entender é que ter a pele negra não deveria ser um problema. O grande problema é ser racista. Mas isso muitos já devem pelo menos suspeitar, já que nas últimas décadas passaram a negar o seu racismo. Pesquisas apontam que a grande maioria da população brasileira afirma que não é racista, mas conhece alguém que é (como familiares, amigos íntimos ou companheiros). Ou seja, o racismo está no outro. O outro “bem do meu lado”, mas ainda assim o “outro”. A democracia racial é um mito que tenta criar uma imagem positiva da sociedade brasileira, uma imagem de igualdade e harmonia, que está muito longe da nossa realidade.

O Movimento Negro no Brasil tem lutado para enfrentar esse problema e desde a década de 70 celebra o dia 20 de novembro como dia de luta. A data é em homenagem a Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares. Foi no dia 20 de novembro de 1695 que Zumbi dos Palmares foi assassinado e teve o Quilombo destruído. Desde 2003, a Lei 10.639 determinou que no Brasil este é o Dia da Consciência Negra, embora o Movimento Negro lute pela consciência negra diariamente.

O dia 20 de novembro foi escolhido para enaltecer uma liberdade conquistada, em oposição à liberdade “doada” no dia 13 de maio de 1888 pela princesa Isabel. O dia 13 de maio sempre aparece nos livros de História e esta história relata uma suposta passividade e comodismo dos negros escravizados. O Movimento Negro luta todos os dias para combater o racismo e para fazer uma revisão da História do Brasil revelando que o negro sempre resistiu e resiste até hoje contra as opressões e injustiças que tiveram início com a escravidão e que ainda não chegaram ao fim. E além de falar sobre violência, opressão, luta e resistência, o Movimento Negro luta todos os dias para “revelar” a importância e herança dos negros para a formação da cultura nacional, seja através da literatura, música, dança, culinária, religião ou política.

Embora o CTA esteja se aproximando cada vez mais do Movimento Negro, através do trabalho com comunidades negras, da valorização dos povos tradicionais e quilombolas, da parceria com o FOMENE (Fórum Mineiro de Entidades Negras), participação e colaboração com o FOPPIR (Fórum pela Promoção da Igualdade Racial), nós sabemos que é ainda um grande desafio enegrecer o movimento agroecológico, no sentido de se reconhecer negro e pautar com mais ênfase o racismo estrutural da nossa sociedade.

Pensando nisso, a equipe do Programa “Educação e Agroecologia” do CTA, promoveu em outubro um seminário com o tema “Igualdade Racial”. A ideia surgiu a partir do testemunho de situações de racismo em escolas que participam do Projeto Curupira e a proposta foi debater junto com professores e estudantes (crianças e jovens) questões como identidade negra, cultura afro-brasileira, privilégios e tipos de racismo.

Quem coordenou o evento foi a técnica do Projeto Curupira, Rute Santos: “Quando a gente entende que a nossa democracia racial é um mito e que o racismo é extremamente perverso e está em todos os lugares que nós estamos – seja nas escolas, seja no mercado de trabalho, seja nas universidades – é um papel social nosso levar o debate para os espaços onde esse tema não é pautado e também mostrar as diversas faces do racismo. Eu sempre tive vontade de promover algo nessa temática dentro do CTA, de enegrecer a agroecologia e poder contribuir um pouco com a minha vivência, a minha experiência e a bagagem que eu tenho com essa temática. Pra mim foi uma grande realização pessoal e espero que tenham outras edições desse seminário. As crianças saíram bastante satisfeitas, os professores também, então eu acho que para o ano que vem a gente pode pensar até em algo maior no decorrer do ano”, afirmou.

Para saber mais sobre o Seminário de Igualdade Racial, acesse: http://bit.ly/2mLMMeW

Autor: Wanessa Marinho

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